domingo, 4 de dezembro de 2022

Quem bate a corda?

Você já pulou corda na vida? Quantas “queimou” e teve que voltar para a fila? A corda executa um semicírculo e o tempo que leva para percorrer a curva é o tempo necessário para que o reflexo permita pular inúmeras vezes, ou poucas, ou nenhuma. Cada um tem sua graduação.

São três estágios: o primeiro para velocidades baixas, menos complexas, um ritmo que permite, aos menos hábeis, estimular o gosto para saltar ao estágio seguinte; o da velocidade normal, com ritmo cadenciado, que exige maior controle dos pulos e, finalmente, o estágio avançado, onde a loucura da velocidade acaba dificultando o acompanhamento.

“Salada, saladinha, bem temperadinha, com sal, pimenta, fogo, foguinho, fogão”, assim, a molecada se divertia e começava, sem saber, a evoluir para a longa jornada, rumo ao universo adulto.  A cantiga ficou para trás, mas ainda são utilizadas em diversas situações.

Querem ver! Primeiro emprego: o desejo de começar, desde o anúncio para vaga de emprego, “salada...” O que vem?  Filas de candidatos, entrevistas com perguntas pitorescas, exigências, dinâmicas (algumas constrangedoras), necessidade de experiências (pode?), habilidades; o “fogão” chega rápido demais, pegando a perna no ar e derrubando o candidato que tem que ir em busca de melhor preparo.

E quando o emprego é conquistado? Lá vem a corda, agora rodada por gente com nomes imponentes: “chefe”, “gerente”, “coordenador”. Ela é batida também pelos “colegas” do tipo “quanto mais rápido rodar, mais rapidamente elimino o concorrente”, e a brincadeira tem sequência.

Perdeu o emprego? Momentaneamente, a corda é girada com mãos de pessoas que cantam apenas a última palavra, “fogão”, incessantemente. Contas caindo (“fogão), dinheiro rareando (“fogão”), cheque especial estourado, financiamentos, brigas na família, “fogão”, “fogão”, “fogão”!

Foi agraciado com uma carreira brilhante, somente os que seguram a corda mudam. Agora, com designações pomposas: “presidente”, “vice-presidente”, “superintendente”, “diretores” e, lá estão eles, como se fossem a hélice de um ventilador, fazendo a corda girar ardentemente, “fogão”, “fogão”, “fogão”. Talvez fosse indicada, para a circunstância, outra palavra bem representativa do mundo corporativo, “pressão”, “pressão”, “pressão”.

Pensa que os empreendedores escapam? Novamente, só os que rodam a corda têm seus nomes alterados: “vendas”, “fluxo de caixa”, “capital de giro”, “contabilidade”, “bancos”, “produtos”, “funcionários”, “fornecedores”, e haja preparo!

Acredito que boa parcela das brincadeiras de crianças foram inventadas por adultos de dois grupos:  interesseiros e realistas.

Aos primeiros, a função atribuída é a de treinar novas gerações para, num projeto sinistro de capacitação, prepará-las para futuras cobranças. Aos segundos, a informação, nem um pouco velada, de que a cobrança é pesada, requer inclusão constante de contemporâneas habilidades para sobrevivência e, quem quiser se destacar, precisa pular miudinho, literalmente.

Quem está nas pontas das cordas, neste momento?

Texto do livro “Pensar para sair do lugar – As vertentes da vida”.


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