Como a muralha da China, temos uma barreira imensa
construída para nos proteger dos perigos e controvérsias da vida. Aquilo que
nos dá sustentação está seguro atrás dessa coluna, onde ninguém, livremente,
pode transpô-la, onde nada pode ser expurgado, tão somente, trabalhado!
Fronteira entre o consciente e inconsciente, o que somos,
como chegamos, o quanto percorremos, registros dos temores, acervo das
histórias, atrás dessa muralha encontram-se os aspectos mais insondáveis de
nossa existência, entretanto, o que lhe dá sustentação e guarida.
Justifica aonde chegamos, explica desvios, resguarda
fragilidades, contém emoções e inúmeros mecanismos desenvolvidos para alicerçar
essas mesmas justificativas. Encerra em si, princípios, valores, crenças,
fortemente enraizadas ou, fragilmente, distribuídos entre os escombros dos
sonhos destruídos.
Lá está a alavanca que nos impulsiona ou as amarras que nos
fazem retroceder, a vibração ou apatia, o vigor que liberta ou o temor que
encarcera. O mais interessante, convivem no mesmo espaço, uma unidade dividida
e íntegra, sabe-se lá como.
Inútil ignorá-la, inútil desprezá-la, ela é a própria vida
contada através da utilização dos materiais disponibilizados para construí-la.
Carinho, afeto, desprezo, compreensão, exemplos, imposições, violências,
frustrações, amores, desilusões, amizades, traições, gratidões,
reconhecimentos, tristezas, os mais diferentes produtos, das mais diferentes
fontes, nos mais diferentes momentos.
É o seu retrato, é o nosso retrato! Encerra-se em cada um,
independente, única, poderosa. Faz estragos, traz vitórias, sempre é convite
para a superação. Quando se resgata todos os efeitos e se busca o entendimento,
compreensão das razões e implicações derivadas, é possível alterar a trajetória
e a história.
Por isso é necessário encarar a muralha quando ela se torna
empecilho para a felicidade, motivo de dor, fardo pesado para se carregar
sozinho. Por isso a importância da busca pelo autoconhecimento, pela
estabilidade emocional, pela segurança nos procedimentos.
Estar um passo à frente, significa ter ou conquistar a
habilidade de descobrir as brechas que acessam o interior da muralha,
conquistá-la sem agredi-la, interceder sem criar dependências, respeitá-la
porque ela lhe contará os segredos mais íntimos, amá-la porque é a sua
história, a de ontem, a de hoje e aquela que ainda será escrita.
Texto do livro "Pensar para sair do lugar"