A cerca de arame farpado lhe impedia a passagem.
Todas as tentativas causavam ferimentos,
sangravam, doíam, cutucavam, avisavam para recuar. Não suportando vencê-la,
recuava para abrandar o sofrimento.
Mirava-a! Aquela estrutura circular, de
pontiagudas farpas, tinha tanto poder, causava enormes estragos, alimentava
seus temores, limitavam seus passos.
Admirava-a por seu poder de contenção, ao mesmo
tempo que se perguntava: “quem a colocou ali?”. Tanta maldade, só poderia ser
obra de inimigos perversos, gente sem coração, disposta a destruir seus valores
mais caros.
Foi assim, por muito tempo! Não havia alicate,
porteira, picareta e pá para tentar uma passagem subterrânea. Nada, só a
incômoda acomodação: relacionamentos imprecisos, empregos insatisfatórios,
talentos tolhidos, alegrias abafadas, restava a cerca, solidão em meio à turba.
Tanta pressão ameaçou-lhe a depressão!
Foi socorrida! Alguém perguntou: “em tempos
bicudos, onde escondeu seu sorriso?” e o sorriso surgiu tímido, suficiente para
iluminar o que estava apagado.
Conquistou maior brilho ainda, quando provocado:
“que tal reconstruir com a matéria esquecida do seu melhor?”. E refletiu: “qual
o meu melhor?”.
Seu melhor estava por vir! Reunidas as sobras da
negativa experiência, havia talento, desejos, sonhos, só faltava respeito, amor
próprio, mudar de direção.
Incrível, de repente, sumiu a cerca farpada, não
pertencia à paisagem, era sua alma cercada que gritava por socorro, por óbvia
atenção.
Surpreendeu-se ao perceber o colorido em sua
volta! Tanto tempo limitado a passos curtos, horizontes próximos, dores antigas.
Ousou encarar o céu azulado de um dia ensolarado, sentiu acolhimento, renovação,
decisão.
Fixou o olhar para o alto, repensou: “Por que
não a mudança?”.
Num gesto de humildade, resgatou memórias,
libertou-se do trágico, das considerações alheias. Ousou enxergar-se, reconciliou-se
com a verdade, sua verdade, paz para o passado.
Superada, a cerca fantasmagórica deixou lugar à
espaços livres, percursos abertos, temores abrandados, salvo conduto ao risco
de errar. Emergiu nova criatura, aceitou deixar de se importar com as miudezas para
agarrar-se ao projeto de ser feliz com o que tinha e com aquilo que ainda conquistaria.