domingo, 27 de setembro de 2020

Arame farpado!

 


A cerca de arame farpado lhe impedia a passagem.

Todas as tentativas causavam ferimentos, sangravam, doíam, cutucavam, avisavam para recuar. Não suportando vencê-la, recuava para abrandar o sofrimento.

Mirava-a! Aquela estrutura circular, de pontiagudas farpas, tinha tanto poder, causava enormes estragos, alimentava seus temores, limitavam seus passos.

Admirava-a por seu poder de contenção, ao mesmo tempo que se perguntava: “quem a colocou ali?”. Tanta maldade, só poderia ser obra de inimigos perversos, gente sem coração, disposta a destruir seus valores mais caros.

Foi assim, por muito tempo! Não havia alicate, porteira, picareta e pá para tentar uma passagem subterrânea. Nada, só a incômoda acomodação: relacionamentos imprecisos, empregos insatisfatórios, talentos tolhidos, alegrias abafadas, restava a cerca, solidão em meio à turba.

Tanta pressão ameaçou-lhe a depressão!

Foi socorrida! Alguém perguntou: “em tempos bicudos, onde escondeu seu sorriso?” e o sorriso surgiu tímido, suficiente para iluminar o que estava apagado.

Conquistou maior brilho ainda, quando provocado: “que tal reconstruir com a matéria esquecida do seu melhor?”. E refletiu: “qual o meu melhor?”.

Seu melhor estava por vir! Reunidas as sobras da negativa experiência, havia talento, desejos, sonhos, só faltava respeito, amor próprio, mudar de direção.

Incrível, de repente, sumiu a cerca farpada, não pertencia à paisagem, era sua alma cercada que gritava por socorro, por óbvia atenção.

Surpreendeu-se ao perceber o colorido em sua volta! Tanto tempo limitado a passos curtos, horizontes próximos, dores antigas. Ousou encarar o céu azulado de um dia ensolarado, sentiu acolhimento, renovação, decisão.

Fixou o olhar para o alto, repensou: “Por que não a mudança?”.

Num gesto de humildade, resgatou memórias, libertou-se do trágico, das considerações alheias. Ousou enxergar-se, reconciliou-se com a verdade, sua verdade, paz para o passado.

Superada, a cerca fantasmagórica deixou lugar à espaços livres, percursos abertos, temores abrandados, salvo conduto ao risco de errar. Emergiu nova criatura, aceitou deixar de se importar com as miudezas para agarrar-se ao projeto de ser feliz com o que tinha e com aquilo que ainda conquistaria.


Um comentário:

Cesar disse...

Showww! Belíssima reflexão! Disse tudo e mais um pouco!