segunda-feira, 15 de junho de 2020

Inusitado

                                                                                                                                                    





Buscava alternativas para driblar a crise que se abatera em minha empresa. Vendas baixas, dívidas altas, o fantasma do desastre rondando. Fui até a empresa de um amigo, que atuava no mesmo ramo livreiro, disposto a lhe propor um trabalho conjunto.
Eram dois pavimentos, o de baixo onde os livros eram expostos, o de cima, um mezanino onde o estoque era guardado e, na frente, o escritório. Ao fundo, janelas, tipo basculantes. Enquanto conversávamos, como um raio, atravessou meu campo de visão um beija-flor. Isso tirou a concentração na conversa e o vi seguir em frente e retornar rapidamente. Ao tentar sair para o espaço de onde viera, era obstruído pela janela e retornava, novamente, para um voo atormentado por sobre a loja.
Várias idas e vindas depois notei que o estresse lhe roubava a valentia. Posicionei-me na grade do mezanino, que limitava o espaço e era possível observar toda a livraria daquele ponto. Na tentativa de auxiliar aquela criaturinha desesperada, ergui os braços e posicionei o dedo indicador, convidando-a para o pouso.
Loucura! Como ela entenderia esse gesto? Por incrível que pareça, para meu assombro, aquelas asas potentes a levaram até o meu dedo, onde se encolheu ao pousar. Alguma razão a fez entender meu gesto de solidariedade, talvez o desespero, a falta de opção. Ela estava ali, assustada, mas esperançosa.
Ainda incrédulo, calmamente me dirigi à janela, aquele importante hóspede com suas garrinhas firmes em meu dedo. Coloquei o braço para fora e fiz um movimento com o braço, para cima, mostrando-lhe que podia alçar voo, estava livre. Foi o que fez, nem olhou para trás, seguiu em frente, retornando ao seu mundo de semeador.
Minha alma mais leve, apesar de todas as ocorrências massacrantes, sorriu. Se um colibri pousou em meus dedos, então nem tudo estava perdido. Já avaliou a probabilidade dessa pequena, frágil, inquieta e veloz ave, pousar em seu dedo indicador, suplicando por ajuda? Nem eu, mas aconteceu e isso era um sinal, um bom sinal, uma energia nova, apontando algum tipo de direção!
A empresa não resistiu, o episódio marcante tornou mais leve a passagem do furacão, pois havia acendido uma chama de esperança. Como o colibri, estava me debatendo na busca de soluções. Não havia! Necessitava apenas da ajuda de alguém que me mostrasse o caminho para a liberdade e ela veio, no plural, inúmeras pessoas que demonstraram sua solidariedade, carinho e afeto, vieram abrir a janela e me permitiram voar.

Era uma resposta, talvez resultado do que havia plantado. Continuei a jornada, fortalecido, disposto a semear novos campos, alçar diferentes voos, aprender com os erros, conhecer mais, para, ao encontrar outras criaturas em dificuldades, oferecer meu apoio, retribuindo o que, gratuitamente recebi, mesmo quando ajudava.
 Texto do livro "Pensar para sair do lugar"

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