Por alguns instantes, tive a impressão
que o dia estava se findando. Não era nem onze horas da manhã, mas a sensação
esquisita perturbou meu relógio biológico, de tal forma, que precisei me
levantar da cadeira e me certificar que não estava em transe.
Resgatar a condição real é algo
estranho. Estava tão concentrado no que fazia, tão absorto, tão envolvido, que
abri uma brecha entre duas realidades, uma fenda, um deslocamento entre dois
mundos. Causou impacto, e um questionamento também surreal: e se não
conseguisse retornar?
Permaneceria para sempre prisioneiro
dos meus pensamentos, num campo gerado pela concentração excessiva, inevitável
compará-lo a um campo de concentração, me faria refém de minha própria gestão
cerebral? Estaria fadado a permanecer na cadeira até que o corpo definhasse e a
alma se libertasse, restando a patética figura de um cadáver com as mãos no
teclado?
Arrepio! A visão desse quadro, me fez
levantar novamente. Fui até a cozinha, apanhei um belo pedaço de panetone e o
devorei no menor tempo possível, como um alerta aos neurônios, que meu mundo
permanecia dentro das fronteiras do sensitivo físico. Vade retro satanás!
Retornei, onde estava mesmo? Ah, sim,
pesquisando e escrevendo um texto, sobre o que mesmo? Dois “mesmos” em frações
de segundos. Afinal o que fazia? Estava fazendo algo ou sonhava que estava? Meu
Deus, pela terceira vez levantei-me da cadeira e corri até a pia do banheiro.
Água fria lançada ao rosto e a
inevitável fitada no espelho, para reconhecer a própria face. Era eu mesmo, não
havia dúvida, apesar do rosto estampar a expressão própria de um incrédulo.
Ainda dei duas palmadas na bochecha, como se o transe não tivesse se
dissipado e precisasse de um safanão para deixar aquele corpo que não lhe
pertencia.
Que coisa! Ressabiado, percorri o
trajeto de volta ao teclado. Olhei para o brilho da tela e só o fundo do
“Windows” pairava inerte. Mas que diacho? Qual a razão de tanta concentração
inútil, não havia nada sendo realizado? Ainda permanecia em pé, mas despenquei,
com o traseiro causando um forte impacto no assento, coloquei novamente os
dedos em posição de digitar. O que é isso? Fiquei doido?
Havia uma janela, no canto esquerdo.
Cliquei nela. Voltou a escancarar uma pesquisa do “Google” na tela, uma enorme
quantidade de informações jorrava à minha frente. Qual o significado? O que
procurava? Retornei para o topo da página e lá constava: como perder o respeito
das pessoas!
Começou um festival de figuras
aterrorizantes, muitas cobranças, um forte calor me fazia suar, o coisa ruim
por perto, gente que me apontava as orelhas, traziam CPU’s, tablets, smarts phone, faziam
gestos como tentando dizer algo, mas não se ouvia o som, cartazes que diziam
coisas bizarras, como “você nunca me escuta”, “eu tentei falar”, isso as mais
educadas, as impróprias deixo de relatar por prezar seus ouvidos.
A situação foi ficando tensa, corria
para um lado, era cercado, para outro, aumentava mais ainda o cerco. No centro
um enorme buraco, a multidão me levando para lá, não tinha mais saída, senti o
corpo se projetar no vazio sem fim.
Nessa hora o organismo reagiu, para
evitar o aprofundamento do sofrimento, deu um basta! Na verdade, não foi o
organismo, esse já embarcava no pesadelo, foi o despertador que me salvou daquela
loucura. Prometi que a partir dessa manhã me concentraria mais nas coisas da
vida, falaria menos e escutaria bem mais, para meu próprio bem-estar.
Texto do livro "Pensar para sair do lugar - crescimento pessoal e profissional"