segunda-feira, 6 de abril de 2020

Arrepiando!



         Por alguns instantes, tive a impressão que o dia estava se findando. Não era nem onze horas da manhã, mas a sensação esquisita perturbou meu relógio biológico, de tal forma, que precisei me levantar da cadeira e me certificar que não estava em transe.
         Resgatar a condição real é algo estranho. Estava tão concentrado no que fazia, tão absorto, tão envolvido, que abri uma brecha entre duas realidades, uma fenda, um deslocamento entre dois mundos. Causou impacto, e um questionamento também surreal: e se não conseguisse retornar?
         Permaneceria para sempre prisioneiro dos meus pensamentos, num campo gerado pela concentração excessiva, inevitável compará-lo a um campo de concentração, me faria refém de minha própria gestão cerebral? Estaria fadado a permanecer na cadeira até que o corpo definhasse e a alma se libertasse, restando a patética figura de um cadáver com as mãos no teclado?
         Arrepio! A visão desse quadro, me fez levantar novamente. Fui até a cozinha, apanhei um belo pedaço de panetone e o devorei no menor tempo possível, como um alerta aos neurônios, que meu mundo permanecia dentro das fronteiras do sensitivo físico. Vade retro satanás!     
         Retornei, onde estava mesmo? Ah, sim, pesquisando e escrevendo um texto, sobre o que mesmo? Dois “mesmos” em frações de segundos. Afinal o que fazia? Estava fazendo algo ou sonhava que estava? Meu Deus, pela terceira vez levantei-me da cadeira e corri até a pia do banheiro.
         Água fria lançada ao rosto e a inevitável fitada no espelho, para reconhecer a própria face. Era eu mesmo, não havia dúvida, apesar do rosto estampar a expressão própria de um incrédulo. Ainda dei duas palmadas na bochecha, como se o transe não tivesse se dissipado e precisasse de um safanão para deixar aquele corpo que não lhe pertencia.
         Que coisa! Ressabiado, percorri o trajeto de volta ao teclado. Olhei para o brilho da tela e só o fundo do “Windows” pairava inerte. Mas que diacho? Qual a razão de tanta concentração inútil, não havia nada sendo realizado? Ainda permanecia em pé, mas despenquei, com o traseiro causando um forte impacto no assento, coloquei novamente os dedos em posição de digitar. O que é isso? Fiquei doido?
         Havia uma janela, no canto esquerdo. Cliquei nela. Voltou a escancarar uma pesquisa do “Google” na tela, uma enorme quantidade de informações jorrava à minha frente. Qual o significado? O que procurava? Retornei para o topo da página e lá constava: como perder o respeito das pessoas!
         Começou um festival de figuras aterrorizantes, muitas cobranças, um forte calor me fazia suar, o coisa ruim por perto, gente que me apontava as orelhas, traziam CPU’s, tablets, smarts phone, faziam gestos como tentando dizer algo, mas não se ouvia o som, cartazes que diziam coisas bizarras, como “você nunca me escuta”, “eu tentei falar”, isso as mais educadas, as impróprias deixo de relatar por prezar seus ouvidos.
         A situação foi ficando tensa, corria para um lado, era cercado, para outro, aumentava mais ainda o cerco. No centro um enorme buraco, a multidão me levando para lá, não tinha mais saída, senti o corpo se projetar no vazio sem fim.
         Nessa hora o organismo reagiu, para evitar o aprofundamento do sofrimento, deu um basta! Na verdade, não foi o organismo, esse já embarcava no pesadelo, foi o despertador que me salvou daquela loucura. Prometi que a partir dessa manhã me concentraria mais nas coisas da vida, falaria menos e escutaria bem mais, para meu próprio bem-estar.
Texto do livro "Pensar para sair do lugar - crescimento pessoal e profissional"